20º Capítulo
Não era um dia de guerra, ou pelos não se parecia com um. O sol brilhava sobre todo o espaço, iluminava todo o dia que tinham pela frente. Era um dia doloroso, onde era impossível contar cada gota de suor. Apenas se distinguiam os suores frios dos quentes, os do calor e os do gelo da aproximação da morte. Por esse modo se destacavam os mais fortes, os sobreviventes.
Rose tinha a sua arma apontada a qualquer lado, corria pelo descampado, e deixava um rasto de surpresa mesmo atrás de si. A surpresa de conseguir percorrer todo aquele espaço com um simples objectivo, não sendo alheada das balas e dos gritos sofredores. A vontade de matar era neutralizada pela compaixão que sentia pelos soldados alemães que a haviam acolhido nos últimos dias, e pelo amor duradouro pela sua pátria. Não havia ninguém que tivesse coragem de matar. Sabia que apenas a iria usar em auto-defesa, e sabia também, que poderia não ser capaz disso.
Sentiu um abalo repentino raspar-lhe o braço, e pregar-se no peito de um recruta alemão. Foi aí que parou de se mover, olhou para a frente e apenas via um mar de recrutas ingleses. Como iria ser agora? Viu um rochedo mesmo há sua frente e deitou-se atrás dele, com a arma apontada para todo o horizonte inimigo à sua farda. Estremeceu ao debater-se com a complicada situação do seu coração.
Não conseguia escutar.
Não conseguia ver.
Não se conseguia mover.
Não conseguia deixar de sentir um calor incontornável, que a puxava do buraco onde se tinha visto todos estes dias.
Não deveria estar vestido com o uniforme da Alemanha? O que estava ele a fazer do lado do suposto inimigo, com a arma a arrastar no chão? Os seus olhos tentavam penetrar em todo o pó que as balas faziam, que os passos apressados levantavam do chão, em procura de algo. Levava a mão no coração e o rosto mais desgastado que se podia esperar.
Tom.
O que considerava uma tarefa difícil, demonstrou-se tão simples aos seus olhos. Escassas horas para o encontrar, e agora apenas metros os separavam.
Lançou o corpo para a frente; o seu coração já lá figurava, há tanto, tanto tempo. Em tanto tempo nunca tinha sorrido daquela forma, tão inconsciente, tão pura e tão verdadeira. Há sua frente só tinha o rosto lívido de Tom.
Deu um salto repentino para a frente, irresponsável, desacordado. Só nesse momento se apercebeu das lágrimas que fluíam dos seus olhos, abundantemente. Tudo o que sentia agora nas suas mãos era irreal, não podia acreditar nos sentimentos que estavam a despertar. Eram de novo aqueles maravilhosos sonhos?
O corpo de Tom não se moveu, caiu direito ao chão, ele não ofereceu resistência. Deixou-se ser vencido, como se sempre estivesse há espera que fosse interpelado apenas por ela.
Rose agarrou a cabeça de Tom nas mãos e fitou os seus olhos desesperadamente.
- Rose – disse num suspiro.
Nesse momento ela viu o reflexo dos seus olhos nas lágrimas de Tom. Sorriu, e a aclamada guerra tinha desaparecido, eram dois, dois seres juntos unidos por uma força infindável que ninguém poderia sentir senão eles.
- Foge. – Disse Rose junto do seu ouvido.
Pegou-lhe na mão com o fim de o arrastar até ao rochedo onde o tinha avistado. Mas uma flecha cravou-se na perna e lançou o seu corpo para o chão, impelindo também Tom para o mesmo sítio.
- Rose! – Gritou em pleno terror. – Tu estás -
- Estou bem – interrompeu em sofrimento.
Tentou agarrar a perna mas Tom foi mais rápido. Pressionou o ferimento e sentiu um arrepio ao ouvir um gemido por parte de Rose.
- Tu não estás bem…
- Deita-te. – Ordenou Rose rapidamente, lutando para permanecer com os olhos abertos para fitar Tom.
Não podia desperdiçar qualquer momento para o sentir de novo. O fogo na sua pele, a falta de palavras, os lábios quentes que o queriam sentir. As lágrimas retidas nos olhos, deixavam de ser dor e voltavam para o estado de felicidade. Quantas vezes pensava ser impossível um amor assim.
- Eu amo-te Rose. Já o devia ter dito mais cedo. – Sussurrou. – Fecha os olhos.
- Amo-te a ti também.
Fechou os olhos, esperando que a sua face desaparecesse, mas estava lá, tão presente quanto antes. Precisava dele no entanto, precisava tanto dele.
- Tom… - gemeu, ao deixar de sentir o seu ferimento coberto pelas suas doces mãos.
- Schhh, estou aqui. Vivemos juntos amor, morremos juntos.
A sua pele foi novamente preenchida de calor. A dor continuava a evadir-lhe, mas havia tanto amor para a neutralizar.
A imagem era irreal, a guerra a passar por todos os cantos e espaços, em volta daqueles corpos inertes, fingidos pelo terror, tentando passar por mortos a fim de sobreviver. Corpos opostos, mas tão juntos que ninguém suspeitaria que era amor. Naquele campo, todos os outros só conseguiam contemplar ódio.