19º Capítulo
A gruta começava iluminava-se pela luz ténue. Rose despertou finalmente. Não dormia assim há dias e dias. Mais tempo do que os que tinha marcados no braço. Olhou de novo para eles e suspirou. Só ela e Tom sabiam como a dor era assim, só eles sabiam a vontade para formar uma aliança assim.
Tanta gente podia perguntar se um amor assim seria legítimo. Tão novo, tão repentino, tão quebrado por regras e padrões. Mas eles sabiam, sempre souberam que valia a pena. Sabiam que o que lutavam iria ter o fim desejado, eles ficariam juntos. No amor, no ódio, na vida e na morte. Eram eles, só eles, e o amor incondicional que os unia. Tantos laços em volta de dois pequenos corações, batendo em uníssono, embalados pelo terror de uma guerra.
- Qual foi a lógica disso Rose?
Só nesse momento deu pela presença de Bill nas suas costas. Sorriu.
- Bom dia.
- Podes explicar-me? – Perguntou com clareza.
- Ele também os tem.
O sorriso dos seus lábios não se desvanecia, tinha tanta necessidade de falar dele ao seu irmão. Dizer como ele foi corajoso, maravilhoso, como ele teve a capacidade absoluta de a amar.
- Ele fez cortes nos braços de modo a contar os dias que eu não o ia ver, que o tentava ignorar. Fez isso para me mostrar o que sofria ao não me ver, ao não me sentir.
Rose fechou os olhos e viajou pelas sensações do toque da pele de Tom na sua, o fogo que lhe provocava cada simples carícia. O ar que lhe faltava nas palavras que lhe tinha a dizer.
Agora já nada podia dizer, o ar faltava por outras razões. A saudade, o medo de o perder. Uma lágrima voou directamente às recentes marcas no seu antebraço, provocando a sensação desagradável do sal sobre a pele nua nos cortes. Estremeceu e Bill agarrou-lhe a mão.
- Tudo desponta amanhã. Amanhã vamos descobrir tudo.
- Vamos? – Perguntou na sua voz estremecida.
- Eu vou também…
- Ai, não vais não Bill!
- Porquê?! – Gritou como uma criança. – Achas que não sou capaz? Que não quero encontrar o meu irmão?
- Não Bill…mas tu és médico, não é para ires.
- Eu quero Rose. Eu vou. – Murmurou.
- Achas que o Tom quer perder o irmão assim?
- E quer perder a rapariga que ama? – Ripostou rapidamente.
O que valia a ambos, era que a “enfermaria” estava vazia, sem rasto de qualquer recruta que pudesse ouvir a suspeita conversa.
- É diferente. Eu… eu consigo Bill, fui treinada para disto, deixa-me uma vez na vida combater pelos motivos correctos, deixa-me procurá-lo, deixa-me trazer-to. Deixa-me fazer por ti o que fizeste por mim!
Bill percorreu o corpo atlético de Rose com os olhos, parando sobre o seu olhar implorante. Vacilou e agarrou a sua mão com força, fechando os olhos e deixando a sua cabeça cair sobre o braço de Rose.
- Vais mesmo trazê-lo de volta Rose? – Perguntou contra a sua nova farda.
- Sim Bill. Prometo-te.
Ambos sorriram e juntaram as mãos num pacto. Bill sabia o pouco tempo que lhes restava. Quando o sol nascesse de novo, não haveria modo de voltar atrás.
- De onde vêm vocês Bill? – Perguntou Rose, preenchendo o tempo que não passava, a lua que não subia para depois dar lugar a um novo sol.
- Uma cidadezinha na Alemanha. Os nossos pais são divorciados, eu sempre me dei muito bem com o Tom. Vivíamos em casa da nossa mãe até o Tom se alistar e depois eu entrar com ele para a Medicina na área militar. – Explicou feliz por terem assunto.
- Porquê na área militar?
- Porque quis estar perto do Tom. Nunca me tinha separado dele até esta maldita guerra, até tudo começar a…
- Não fales nisso Bill. – Interrompeu Rose, apertando de novo a sua mão. – Quando nasceram vocês?
O médico sorriu, encostou-se na sua cadeira, sempre segurando a mão de Rose e deixando que o sol se abatesse sobre a sua longa conversa. Rose cada vez se maravilhava mais, com o coração de ambos os irmãos. Como sentia falta do toque de Tom, como queria ouvir a sua voz de novo…
Fechou os olhos e apenas foi acordada em sobressalto pelos recrutas.
- Está na hora. – Disse o mais novo, calmamente e ajudando-a a levantar da cama.
Não encontrou Bill para se despedir. Fechou os olhos e inspirou bem fundo, para percorrer os caminhos mais tortuosos e encontrar Tom. A sua prioridade era ele. Matariam por ele; morreria por ele.
Pegou na arma e correu para fora da gruta com os outros recrutas. Chegou perto do território inimigo, quando o sol despontava. O dia porque tanto esperou tinha chegado. Aí se deparou com a morte e a dor directa. Aí esperou encontrar o amor da sua vida.
Lançou-se para a frente, para uma chuva de balas, chamas e sofrimento.