10º Capítulo
O barulho da porta do armazém a ranger acordou-o. O seu tronco elevou-se completamente, e olhou em volta, não via ninguém. Os seus tristes instintos de sobrevivência, fizeram-no logo pôr-se de pé. Não sabia muito bem se o frio que sentia, era do medo ou realmente da temperatura que se fazia sentir.
A porta rangeu de novo, e uma figura jovem de cabelo apanhado entrou no armazém, com as mãos pesadas de sacos de serapilheira.
- Bom dia. – Ela saudou ociosamente.
No momento em que o coração de Tom deveria ter parado de bater, visto que estava despromovido de perigo, ele correspondeu mal. Um aperto foi o que ele sentiu, de alto abaixo, o coração palpitava com aquela doce voz que tinha ouvido. Algo tão insignificante, algo tão glorioso.
- O que trazes aí? – Aproximou-se ele.
- Hum…várias coisas.
Pousou os sacos no chão e deixou que o braço de Tom lhe envolvesse a cintura. Encostou a cabeça ao seu peito e ele deixou a sua outra mão percorrer o cabelo de Rose, soltou-o.
- Usa-o solto á minha frente, por favor.
- Porquê? – Ela sorriu.
- Gosto do teu cabelo, é incrível como ainda brilha aqui. Parece chocolate, mesmo.
Aquelas afirmações levaram as memórias de Rose viajar por todos os seus poros, tentou pará-las, porque raio não conseguia? Via de novo a face do pai, as rugas de cada expressão, o seu velho sorriso. A sua antiga liberdade.
Ajoelhou-se no chão e começou a abrir os dois sacos, ignorando o facto de estar a ser observada enquanto as lágrimas teimavam em cair. Talvez ele não reparasse.
- Tens fome? – Perguntou ela.
- Sim, mesmo.
Largou então saco que estava a mexer e abriu o outro, onde abundava comida enlatada.
- Come tudo o que quiseres. – Disse ela sorrindo.
Tom deixou-se cair de novo no saco cama e acabou com várias latas, comendo com gosto e avidez.
- Já vi que não te estavam mesmo a alimentar bem…
- O normal na guerra…o que tu estás a fazer é que não é, até deves ter mais fome que eu.
- Não, estou bem. – Ela pestanejou confusa, tirando algo embrulhado em papel branco e entendendo-o às mãos de Tom. – Toma.
- O que é?
- O uniforme, sei que faz parte do inimigo para ti… mas é para poderes sair daqui de vez em quando e ires lá fora as latrinas e tudo isso…
- Tudo bem. – Disse ele, pondo o uniforme de lado e caindo de novo no saco cama.
- Trouxe mais cobertores, mais quentes, tiveste frio esta noite de certeza.
- Não, estava bastante bem. – Sorriu e agarrou a mão de Rose, puxando-a para baixo, mas parou à altura de ver a porta do armazém entreaberta. – Não é melhor fechares aquilo, ou ires embora, ou algo assim?
- Foram explorar o território.
- E tu?
- Eu fiquei a vigiar o refém. – Sorriu ela, deixando também o corpo descair ao lado de Tom, olhando o tecto fragmentado do armazém.
Seguiu-se um momento de silêncio. Era a primeira vez que algo assim acontecia entre ambos. Para todos os efeitos, estavam finalmente juntos, nenhum deles entendia porquê mas sabia que tinha de ser assim.
A voz tremida de riso de Tom quebrou o silêncio.
- Se eu soubesse que a guerra era assim…bem que gostava que tivesse acontecido mais cedo.
Rose não respondeu, não riu. Engoliu em seco e deixou de fitar o tecto escuro para olhar Tom, pormenorizadamente. Os seus lábios, o nariz com a curva perfeita, os olhos que brilhavam em todo aquele magro rosto.
- Deixaste quem para trás? - Perguntou ela.
- Como assim? – Perguntou ele, sem tirar os olhos do tecto, mas passeando a mão pela de Rose.
- Família, namorada?
- Ambos. – Disse prontamente, sem a olhar.